Carta Capital n˚ 643:O pastor herege
“Deus nos livre de um Brasil evangélico”, diz o religioso crítico dos movimentos neopentecostais.
A Gerson Freitas
“Deus nos livre de um Brasil evangélico”. Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais. Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”, diz na entrevista a seguir:
CartaCapital: Os evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?
Ricardo Gondim: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento do número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.
CC: Como o senhor define esse perfil?
RG: extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhes assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.
CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?
RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o Presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.
CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?
RG: O movimento brasileiro é filho do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way life de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui leem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos, de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é a de que Deus abre portos de emprego para os fiéis. Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?
CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.
RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, estão a minha mensagem está fragilizada.
CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?
RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez mais dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.
CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?
RG: Sou a favor. O Brasil é um país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossexuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou com a heterossexualidade.
CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?
RG: Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.
CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.
RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente. Enviado pelo editor Júlio Amorim – São Paulo – jotamorim@gmail.com
3 comentários:
Eu acha que muitos não perceberam que o Pastor Ricardo vê o mundo com os olhos de hoje e muitos insistem em manter uma venda nos olhos e ginorar fatos obvios. Precisamos ser misericordiosos e deixar que cada grupo lute pelos seus direitos. Que os hipócritas seam desmascarados.
Parabéns pela coragem Pastor Ricardo!
Ele entende de política.
Sabe vender o peixe dele.
Mas eu não sei não...
A primeira metade do texto é excelente. Aí, quando ele começa a a falar do assunto a vez (das pessoas que cometem o ato do homossexualismo) ele é a favor.
Hum... Se por um lado eu penso que o ser humano deve ser livre, por outro eu lembro que hoje há cristãos que não entendem que divórcio é pecado, talvez por que é bastante normal na sociedade de hoje. E aí mais uma vez eu penso que esses cristãos não deveriam saber que divórcio ou união civil homossexal é pecado por causa da sociedade, mas pela leitura da Bíblia. Sei não. É uma questão confusa. Estado e modelos estatais são questões confusas.
Agora... No final do texto... Ele caga tudo.
Ele diz: "Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida."
Fica óbvio para mim que ele Chegou ao outro extremo. Enquanto neopentecostais tratam Deus como um servo, como o gênio da lâmpada mágica, ele trata Deus de uma forma muito independente e distante, quase como um espírita vê Deus. Jesus disse que o poder humano é inútil. A Bíblia toda diz que a soluçao para o ser humano é se aproximar o máximo possível de Deus. Deus é pessoal e poderoso.
sugerir que a vida Cristã começou com o esvaziamento das Igrejas na Europa pois isto trouxe mais responsabilidade social (mais bem a todos) é um excepcional engano. Engano envolto em todo o sentido expresso nas Escrituras Sagradas; pois, em Romanos Paulo explica que a salvação é pela fé (por obras de fé, por dependência de Deus), então abraçar a idéia de um mundo melhor pelas vias socializantes é o mesmo que rejeitar o entendimento de que o Homem não pode ser um benfeitor para si sem ser por outra lado malfeitor do outro. Exemplo: a Europa é socialmente melhor "sem Deus" hoje, porém houve um efeito reverso em muitos outros lugares do planeta para que se tivesse bem estar por lá. Em resumo, o que quero dizer, é que esta contabilidade do bem não fecha, pois aos Seres Humanos isto não é possível por causa do seguinte fato: a minha felicidade necessariamente é a infelicidade de alguém; a minha properidade está baseada em explorar alguém. Ou alguém ainda é tão inocente que ainda ache que compra um brinquedinho eletrônico aqui a um preço baixíssimo sem que alguém tenha trabalhado à um salário de fome lá do outro lado do mundo ? como vamos resolver isto sem Deus ?
Postar um comentário