A identidade de nosso país vem sendo construída em um processo lento e inacabado, a partir de relações, imagens, tipos e atitudes, onde as concorrências e os paradoxos encontram sempre um lugarzinho. Esse fluxo identitário vem sendo proposto por diversos olhares, internos e externos, sendo este ano um espaço em que se encontram tanto a bola de futebol, quanto a lenda construção democrática. Ano de Copa do Mundo na Africa do Sul e de eleições presidenciais.
O salto ainda não completado de uma configuração pré-hitórica para um processo civilizatório, foi guiado por uma colonização predatória, cujos processos ainda estão em andamento, através novos artifícios. O tipo Macunaíma, proposto por Mário de Andrade, definiria para nós essa complexa migração, de sociedade integradas ecologicamente para uma urbanização antropofágica.
Essa antropofagia seria desejável, enquanto afirmação de uma identidade nacional relacionada com sua herança européia, mas que não consegue ser destruída. Pelo contrário, devora o colonizador, transformando-o em elemento digerível, importante apenas assim. Quem engoliu quem a história ainda não revelou, todos ansiosos à espera de um final feliz. Nesses termos, o herói sem caráter propõe uma ética de resistência, sendo a ausência de marcas a sua própria marca, aquilo que torna o inédito viável, para não esquecer Paulo Freire.
Nessa caminhada em busca de nossa alma, tornamo-nos o país da festa: samba, carnaval e futebol. Se essas imagens escondem a violência histórica, latente e cotidiana que alimenta complexos insuspeitáveis de violências, realçam a tendência ao bom-humore e a alegria que certamente definem nosso modo de ser, ou de estar-sendo como preferiria Heiddegger.
No futebol e na política, os tipos se sucedem. Configurações coletivas, mas com espaço para performances individuais, encontramos desde a figura de João Grilo, recolhida por Ariano Suassuna, quanto a de Lampião, violência também tornada símbolo de resistência cultural. Nos procedimentos, o mutirão e a briga de galo, acontecem lado a lado, apesar de tão diferentes. Talvez as brigas de galo incomodassem Jânio Quadros por ser ele mesmo galo de briga, e ainda mais perdendo a parada...
Nos comandos do futebol e da pátria (para muitos a mesma coisa), o coronel autoritário ou o cacique tupiniquim, desejado há tanto tempo pela filosofa Marilena Chauí. Esse chefe desejável porque não chefia, não interfere nas rotinas da tribo. Apenas discursa de costas, elogiando as próprias virtudes. O seu discurso marca apenas o ritmo da vida, sem nenhum poder de decisão.
Para o próximo período, talvez precisemos de uma boa mistura dos dois. Diante da força avassaladora das pressões internacionais a teimosia de uma resistência ao jeito dos coronéis. Para os procedimentos que seguem seu curso, diante dos esforços coletivos da parte organizada da sociedade civil, apenas o discurso inofensivo, mesmo que auto-laudatório.
Com vocês no serviço d'Ele
Thiago Oliveira Braga