Afinal, desde 1964 vivíamos sob duro regime militar.
Após três anos de governo Castelo Branco, terrivelmente autoritário mas ainda não inteiramente troglodita, assumira o general Costa e Silva, troupier de poucas luzes. Acentuava-se cada vez mais a militarização da vida nacional.
Às prisões e cassações de políticos, estudantes e dissidentes de toda sorte, a sociedade civil respondera com grandes passeatas, que reuniam estudantes universitários, intelectuais, artistas, donas de casa e profissionais liberais.
O troco do regime não se fez esperar: em 13 de dezembro de 1968 abatia-se sobre o país o Ato Institucional nº 5, que suspendia o habeas corpus e concedia ao presidente o direito de fazer novas cassações, suspender direitos políticos, legislar por decreto-lei, intervir nos estados e decretar estado de sítio.
Para coroar, o Congresso Nacional foi posto em recesso por tempo indeterminado, e feroz censura foi baixada sobre a imprensa e todas as formas de manifestação intelectual e artística.
Ao longo do primeiro semestre de 1969, o regime fechou-se mais e mais. Cerca de cem parlamentares foram cassados, entre outros cidadãos atingidos pelas medidas de exceção.
As prisões se abarrotavam com os opositores do governo; mais de 200 professores universitários e pesquisadores foram compulsoriamente aposentados. Entre os quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A Lei de Segurança Nacional foi alterada, para punir a divulgação de notícias “inconvenientes” e permitir ao ministro da Justiça intervir nas rádios e TVs.
Setores da oposição, por sua vez, radicalizavam suas ações: organizações de esquerda iniciavam a luta armada, e multiplicavam-se os assaltos a bancos e atentados a quartéis.
Naquele 31 de agosto, correu entre as mais de 180 mil pessoas presentes ao Maracanã para ver Pelé infernizar a defesa paraguaia o boato de que Costa e Silva tinha morrido.
Na realidade, ele já estava gravemente doente desde o dia 27, quando se manifestaram os primeiros sintomas, mas a imprensa, censurada, noticiou que o presidente cancelara sua agenda em razão de “forte gripe”.
Dois dias depois, os três ministros militares constituíram-se em junta e passaram a responder pelo governo, impedindo o vice-presidente Pedro Aleixo de assumir.
Finalmente, naquele domingo, 31 de agosto de 1969, desfez-se a farsa: o AI-12 entronizava a Junta Militar e confirmava o afastamento de Costa e Silva.
Nas arquibancadas do Maracanã, nós nos abraçávamos, felizes, certos de que o pesadelo estava terminando. Mas não desconfiávamos de que se consumava, na verdade, um golpe de Estado.
O pesadelo entrava em nova fase.
Em 17 de outubro a ditadura passou a exibir sua face mais medonha.
A Junta Militar baixou a Emenda Constitucional nº 1, incorporando ao arcabouço jurídico brasileiro mais uma leva de legislação excepcional: penas de morte, banimento e prisão perpétua; limitação à liberdade artística e de cátedra; fim da imunidade parlamentar e da garantia ao direito de associação; manutenção da vigência dos atos institucionais.
Para encenar a mímica da normalidade institucional, em 25 de outubro o Congresso foi reaberto especialmente para eleger o general Médici e o almirante Rademaker presidente e vice-presidente da República.
A linha-dura vencera de ponta a ponta.
O Brasil conquistou a Copa do Mundo de 1970 e teve que amargar 24 anos de espera para ser novamente campeão.
Fora das quatro linhas, ainda se passariam mais 20 anos até que o povo pudesse novamente votar para presidente.
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A pedido da Editoria de Esportes do jornal O Globo, escrevi este artigo, que foi publicado no Caderno de Esportes do jornal em 13.08.2001