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Capital do Ceará, Ceará, Brazil
cearense,ex aluno Marista,canhoto,graduado em Filosofia pela UECE, jogador de futebol de fds, blogueiro, piadista nato e sobretudo torcedor do Ceará S.C. Não escreveu livros, não tem filhos e não tem espaço em casa para plantar uma árvore.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O que ninguém jamais teria sonhado


Ora, eis que encontrando cristãos, observando-os viver – e morrer –, conversando com eles ocasionalmente, pressentia-se como que outro modo de ver, de se ver, de ver os outros, e de entrever o divino. Embora os primeiros cristãos não sejam todos virgens e mártires, aos olhos dos pagãos alguma coisa chegava a dar inveja. Havia entre aqueles cristãos como que uma presença que eles eram os únicos a sentir. Uma presença que lhes inspirava o comportamento, não apenas religioso. Mesmo entre eles, as relações pareciam diferentes. Como se nunca estivessem sozinhos. Como se aquela presença acompanhasse a todos e cada um ao longo dos seus dias e, a dar-lhes crédito, para além da morte e por toda a eternidade. Certamente, os cultos de mistério já prometiam a imortalidade, mas, naquele caso, sentia-se algo de mais íntimo; uma proximidade incomum para um deus. Havia, porém, outra coisa. A se acreditar nos cristãos, Christus se assimilara aos humanos como nenhum outro deus até então. Um de seus textos dizia: Ele plantou sua tenda entre nós, eskénosen en emìm. Assim, e isso era inconcebível, o deus Christus se fez homem a ponto de assumir o sofrimento e a morte – e em que condições! E mesmo que não o compreendessem muito bem, as pessoas descobriram, maravilhadas, que para aquele deus um ser humano importava. A vida de cada um recebia, de repente, um significado eterno no interior de um plano cósmico. E como era assim para todos e cada um, a ideia de fraternidade ganhava forma, concretizando a abstrataphilantropia dos sábios. A ideia de um deus de amor implicava a de um amor sem fronteiras. Pois, com o Cristianismo, a devoção mudou de natureza. Não era mais uma questão de ritos a serem cumpridos em momentos determinados; as pessoas não se safavam mais com uma vítima, ou com um pouquinho de incenso nas brasas. Era a si próprio que se tinha de sacrificar como Christus se sacrificara. Era preciso oferecer-se ao deus, e também aos outros, que se tornaram igualmente irmãos para serem amados como a si mesmo. Nada fácil, mas pertubador. Tudo isso, com o que ninguém jamais teria sonhado, tinha por que fascinar.

[Fonte: Luc Ferry e Lucien Jerphagnon, A tentação do Cristianismo: de seita a civilização. Editora Objetiva, 2011]

O ateu, o crente e o bicho-papão


Outro dia alguém me enviou pelo twitter a seguinte pergunta: “quando vc era criança também acreditava em bicho-papão, porque deixou de acreditar?”

Minha primeira reação foi ignorar a pergunta, formulada em tom de crítica a um tweet que postei testemunhando minha fé em Deus. Imaginei que o autor da pergunta não esperava resposta, apenas pretendia sugerir a estupidez da minha fé. Tive a mesma sensação que experimentei quando comecei a ler um texto sobre “razões porque deixei de ser crente” e o autor logo na primeira página comparou a crença em Deus à crença no Saci-Pererê. Mas, passado o ímpeto de deixar pra lá, resolvi responder, pelo menos para mim mesmo.

Minha resposta começaria afirmando que jamais acreditei em bicho-papão. O que me aterrorizava na infância eram os ciganos e o “velho do saco”. Devo isso às minhas avós, que diziam que esses homens malvados gostavam de raptar meninos desobedientes. Registro que acredito em ciganos e velhos do saco, não necessariamente como raptores de crianças, embora seja em parte verdadeiro. Mas resolvi responder como se meu imaginário infantil tivesse sido ocupado por esse tal de bicho-papão.

Eis, portanto, algumas razões porque, embora continue acreditando em Deus, deixei de acreditar em bicho-papão.

.    Não conheço nenhum adulto que acredita em bicho-papão
.    Não conheço nenhuma civilização baseada em bicho-papão
.    Não conheço nenhuma religião que considere o bicho-papão um ser divino
.    Nunca ouvi uma pessoa dizer que foi transformada pelo bicho-papão
.    O bicho-papão não constitui o dilema existencial humano desde sempre
.    Nenhuma tradição de pensamento humano se ocupa com o bicho-papão
.    Nenhum gênio da humanidade viveu atormentado por causa do bicho-papão
.    O bicho-papão não se sustenta num texto considerado sagrado por mais da metade da população mundial, escrito ao longo de 2 mil anos, por 40 autores diferentes
.    Não existe quem atribua a existência do universo ao bicho-papão
.    Jamais alguém defendeu sua fé no bicho-papão com a própria vida
.    Nenhuma das virtudes humanas é associada ao bicho-papão
.    O bicho-papão não é uma crença universal e atemporal
.    O bicho-papão não ajuda a explicar o mundo em que vivo
.    O bicho-papão não ajuda a explicar a complexidade da raça humana
.    O bicho-papão não ajuda a explicar o homem que sou
Cansei. Já passa da meia noite.

Escrito por Ed René Kivitz