A queda do muro de Berlim encerra um ciclo da história mundial que se iniciou com a Revolução Russa de 1917 e teve seu apogeu nas décadas de 1950 e 1960 com a assim chamada guerra fria. O mundo nesse período foi regido por uma lógica bipolar, resultado do conflito em escala planetária das superpotências militares, Estados Unidos e União Soviética, que representavam modelos econômicos e ideológicos antagônicos. Parecia assim ter fim o maior conflito ideológico da história humana com a desmontagem do bloco socialista e a consolidação do processo de globalização econômico levado a cabo pelos países capitalistas centrais.
O historiador americano Francis Fukuyama apressou-se em interpretar a queda do muro de Berlim como índice do fim da História, do fim dos conflitos ideológicos e como prova empírica irrefutável da superioridade da economia de mercado sobre qualquer forma de controle da atividade econômica pelo poder estatal. Mesmo discordando das análises de Fukuyama, não se pode negar que o colapso do bloco socialista europeu teve duas conseqüências imediatas: primeiro, acelerou o processo mundial de liberalização do fluxo de mercadorias, serviços e capitais em escala global com a desmontagem das economias periféricas, menos competitivas e muito mais vulneráveis aos ataques especulativos do capital financeiro; segundo, abalou intensamente o pensamento critico e a postura da esquerda que via no capitalismo um sistema social de opressão, pois produz a mercantilização das pessoas, a concentração do poder e dos meios de produção, gera alienação social, explora e danifica profundamente a vida no planeta. Apos 20 anos, como avaliar os efeitos desastrosos da hegemonia do pensamento neo-liberal e a desarticulação e desutopização provocadas no campo do pensamento social crítico?
As maiores vítimas da onda de globalização sob hegemonia neoliberal foram os trabalhadores e as coletividades nacionais, com privatização maciça das empresas públicas, forte redução dos direitos trabalhistas e do poder reivindicatório dos sindicatos, perda do poder político dos Estados e conseqüente perda de soberania nacional, larga privatização da saúde e da educação, com o conseqüente sucateamento de hospitais públicos e de escolas públicas. Como afirmava Immanuel Wallerstein, há alguns anos atrás, o neoliberalismo tem um custo social enorme, com aumento da pobreza e da exclusão social e com a deslegetimação das lideranças locais, nacionais. Dessa maneira, o sistema se torna incapaz de resolver as crises produzidas por ele próprio: a crise social, com níveis de desigualdades intoleráveis, e a questão ambiental, resultado de uma atividade produtiva predatória e sem limites.
A recente crise no sistema global explicita as contradições do capitalismo e põe em suspeição a ideologia neoliberal que o sustenta.
Novo mundo No entanto, o fato mais auspicioso dos últimos anos é a rearticulação do pensamento social critico e das formas de luta, de insubmissão e de resistência social. Em breve, estaremos comemorando os 10 anos de instalação do Fórum Social Mundial, que foi decisivo enquanto instância de reorganização do pensamento de esquerda e de combate ao neoliberalismo. Trata-se aqui, sobretudo, como explicitou o sociólogo Emir Sader, de construir a esfera pública em contraposição à esfera mercantil, de resgatar a autonomia do político em contraposição à lógica instrumental capitalista. É exatamente na America Latina, que hoje se rearticula de uma forma mais protagônica uma nova esquerda, preocupada com as minorias, com a questão ambiental, com a democratização dos meios de comunicação, com a multiculturalidade. A America Latina tem hoje um numero razoável de governos preocupados em defender a soberania nacional, em construir alternativas às investidas imperialistas do capitalismo central, em resgatar sua dívida social e em preservas suas riquezas naturais.
Vinte anos após a queda do muro de Berlim, podemos nos dar conta que tudo não passou de um espetáculo, uma piada de mau gosto, que muro nenhum ruiu, que há muitos muros sendo construídos diariamente e que precisamos empunhar sempre um martelo entre as mãos... Ou uma foice... Nós, os alertas...